Setembro amarelo: você está mesmo contribuindo para a prevenção do suicídio?
No dia 10 de setembro acontece o Dia Mundial de Prevenção do Suicídio, proposto em 2003 pela Organização Mundial da Saúde e a International Association for Suicide Prevention (IASP) com o objetivo de incentivar ações de conscientização e prevenção do suicídio. Desde então, diversas atividades são realizadas nesta data em todo o mundo.
No Brasil, inspirados por este marco, o Centro de Valorização da Vida (CVV), o Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) criaram em 2015 a campanha Setembro Amarelo, expandindo essas ações até então concentradas no dia 10 para todo o mês de setembro.
A partir de então, nota-se um crescente aumento de eventos e profissionais das mais diversas áreas propondo atividades de prevenção do suicídio. Embora falar sobre o suicídio seja fundamental para a quebra do estigma e para a construção de políticas públicas, é necessário que se tenha responsabilidade e ética aliados ao conhecimento científico para tratar de um tema tão complexo. Infelizmente, percebe-se a cada ano o aumento de eventos com propostas e narrativas equivocadas, irresponsáveis e sem um compromisso teórico e ético com o tema, deixando de lado objetivo central da campanha: a prevenção do suicídio e o suporte aos que estão em intenso sofrimento.
Durante o III Congresso Brasileiro de Prevenção realizado pela ABEPS neste ano (2020), o Dr. José Manuel Bertolote, um dos idealizadores do Dia Mundial da Prevenção do Suicídio, trouxe um importante alerta ao apontar que um mês inteiro voltado para ações em prevenção pode trazer uma fadiga da data e um esmorecimento dessas ações. Nesse sentido, é importante reavaliarmos a qualidade das ações ofertadas durante este mês para que não tenhamos um efeito iatrogênico, intensificando assim o sofrimento daqueles que já estão demasiadamente fragilizados.
Assim, deixo o convite à reflexão aos que pretendem falar sobre suicídio neste mês (mas não somente nele) e ressalto alguns cuidados importantes:
– evite falas moralistas e individualizantes: o suicídio é um fenômeno complexo e possui múltiplas determinações. Falas que beiram autoajuda podem soar bem para alguns, mas devemos nos atentar à simplificação que carregam em sua base. Em geral essas falas tendem a atribuir (muitas vezes implicitamente) a causa do sofrimento somente ao indivíduo, responsabilizando-o por sua consequente melhora e felicidade;
– não minimize o sofrimento: comparar ou questionar o sofrimento expresso não contribui em nada para a saúde mental da pessoa. Parece um tanto óbvio dizer isso, mas infelizmente é comum ouvir (mesmo de profissionais) que o comportamento suicida tem por objetivo “chamar a atenção” ou seria frescura;
– não patologize o suicídio: suicídio não é doença! Ainda que haja uma relação do suicídio com alguns transtornos mentais (principalmente com os transtornos de humor como é o caso da depressão e bipolaridade), não podemos reduzir o sofrimento humano ao adoecimento mental. Nem toda pessoa em sofrimento intenso e com comportamento suicida possui transtorno mental, assim como nem toda pessoa que possui um transtorno mental apresentará um comportamento suicida.
– considere o sofrimento dos enlutados: prevenir o suicídio também é cuidar daqueles que perderam um ente querido pelo suicídio. Tome cuidado para não atribuir ou intensificar a culpa já vivida por alguns enlutados ao tratar, por exemplo, dos sinais de alerta e dos fatores de risco para o comportamento suicida como se fossem fórmulas prontas, fáceis e simples de serem identificadas.
– certifique-se de que possui a formação e conhecimento necessários: reproduzir dados incorretos sobre este tema pode intensificar o sofrimento de pessoas já vulnerabilizadas, além de ser um desserviço para a sociedade.
Se você ou alguém que conhece estiver em sofrimento intenso ou crise suicida, entre em contato com o Centro de Valorização da Vida (CVV) no número 188 ou busque um serviço de atendimento em saúde mental na região – no Sistema Público de Saúde indicamos a Unidade Básica de Saúde (UBS) ou o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS).