Posvenção para quem? Distribuição desigual do direito ao luto

direito ao luto

POSVENÇÃO PARA QUEM?

Essa é uma questão que há anos ronda meus pensamentos e me inquieta. Em 2017, durante o mestrado, dediquei-me a estudar os impactos do suicídio para aqueles que testemunham o ato ocorrido em vias públicas. Ou seja, os impactos naqueles que não possuem vínculo direto com a pessoa falecida.

COMO SE FAZ POSVENÇÃO COM PESSOAS QUE SEQUER SE RECONHECEM OU SÃO RECONHECIDAS COMO IMPACTADAS?

Aponto no meu mestrado como estes “sobreviventes testemunhas” – sobretudo aqueles que testemunharam, mas não conheciam o falecido – são profundamente impactados e portanto figuram um subgrupo dentre os sobreviventes, que também necessitam de atenção, cuidado e validação de sua dor e sofrimento.

Há ainda uma dimensão política que me interessa: A QUEM É PERMITIDA A CONDIÇÃO DE ENLUTAR-SE?

Os dados epidemiológicos acerca do suicídio apontam que os grupos que mais se matam em nosso país são exatamente os mesmos que mais sofrem violências e que têm seus direitos minorizados: população preta, LGBTQI+, povos indígenas e idosos.

Vidas que são matáveis, suicidadas, corpos que valem menos socialmente. Vidas precárias e que, sob esta condição, não merecem o pranto coletivo. E aqui se revela uma dupla interdição ao luto: uma derivada pela transgressão da forma de morrer em nossa cultura, outra derivada dessa condição de precariedade, ou seja, de não-humanidade daquele que falece.

Portanto, nem todos os vivos têm o direito de reconhecer seus mortos, ritualizar sua perda e constituir um laço social a partir dessa experiência dolorosa.

Nita Tuxá, em sua fala marcante no V Congresso da ABEPS (2024), contou que ante o genocídio e os suicídios de seu povo (indígenas), não há sequer tempo para o pranto e o luto, pois há urgência em lutar. Com suas vidas em constante ataque, é preciso lutar pela sobrevivência e pela defesa de seus territórios.

Deste modo, o que se observa é uma distribuição desigual do direito ao luto. E negar o direito ao luto, à memória e ao pranto é algo violento, tanto com aqueles que se foram, quanto com os que ficaram para lidar com a perda.

O que pensam a respeito?

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